
É da genialidade de Jean de La Fontaine a conhecida fábula do lobo e do cordeiro que tem como moral que a razão do mais forte é a que prevalece ou, como explicitou na sua versão o brasileiro Monteiro Lobato, contra a força não há argumentos. Conta a estória do lobo invocado que acusou o cordeirinho de estar turvando a água do rio em que ambos bebiam. Com o detalhe que o cordeiro estava à jusante do lobo, ou seja, a água passava antes pelo ponto onde o carnívoro bebia. Não adiantou o argumento insofismável porque o lobo pretendia apenas justificar o que terminou fazendo: devorou a presa.
Esta semana relembrei a fábula quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, manifestou-se invocado com o Brasil porque estaríamos espoliando as coitadas das grandes corporações norte-americanas com taxas exorbitantes para as importações de seus produtos e outras "dificuldades". Detalhe: a balança comercial entre ambos os países, que historicamente era superavitária para o Brasil, nos últimos anos deixou de ser, isto é, compramos mais do que vendemos para eles. E os norte-americanos muito lucram com suas grandes multinacionais por aqui. Ou seja: o lobo já decidiu que vai nos impor condições mais restritivas e apenas está criando uma razão do mais forte. O senhor Trump deu um pontapé no multilateralismo, desdenha de organismos internacionais, impõe interesses norte-americanos nas negociações bilaterais, enfim é adepto da espoliação explícita e da lei do mais forte. É o retorno do "egoísmo de nação" ou de um nacionalismo exaltado e explorador que nas décadas últimas vinha sendo contido por instituições supranacionais, blocos políticos e econômicos, multilateralismo.
Faz parte de um retrocesso que se nota no mundo e que se agiganta em algumas situações e eventos recentes em diferentes pontos do planeta. Mesmo entre nós, brasileiros, encontramos bolsões significativos na opinião pública daqueles que defendem que devemos impor nossos interesses a nações mais fracas e não admitem concessões eventuais necessárias de um país maior e com melhores possibilidades para outros menores e de mais escassas condições. Quando o Brasil participa do socorro a alguma tragédia em outro país há sempre questionamento de parte dos que acham que não devamos ajudar e que temos de pensar apenas em nós próprios. Somos cordeiro para os Estados Unidos, mas certamente lobo para muitos países menores e com menos possibilidades que as nossas.
O mundo da colaboração e da convivência entre povos está em crise. Os sentimentos de distorcido nacionalismo e de agressividade em relação aos demais vicejam. A unilateralidade do mais forte é preconizada. A tendência é para o conflito e a imposição. Preparemo-nos para dias difíceis. Os escassos pingos de generosidade e oportunidade para todos que a dita globalização portava, sumiram. O grande lobo do norte está sedento por mais vantagens e lucros, a qualquer custo para os cordeiros. Para ele é suficiente invocar a lei do mais forte.